A bondade do inimigo. :-)

Quanto mais treinarmos assim, mais perceberemos que as pessoas que nos fazem mal são de fato muito bom. Primeiro ao nos causar danos elas permitem que nosso karma negativo amadureça. Agora aquele karma específico acabou! Em segundo lugar, ao nos fazer mal, elas nos forçam a examinar nossas ações e a tomar decisões firmes quanto a como queremos agir no futuro. Assim, aquele que nos prejudica está nos ajudando a crescer. Ele é mais bondoso do que nossos amigos!

De fato, os inimigos são mais bondosos conosco do que o Buddha. Isto é quase inconcebível. "O que quer dizer meu inimigo é mais bondoso comigo do que o Buddha? O Buddha tem compaixão perfeita por todos. O Buddha não prejudica uma mosca! Como pode o meu inimigo que é um grande blá, blá, blá ser mais bondoso do que o Buddha?"

Veja isto da seguinte forma: para sermos Buddhas, precisamos praticar a paciência. Esta é uma das atitudes de grande alcance (paramita) e é uma prática muito importante para os bodhisattvas. Não há como tornarmo-nos Buddhas se não conseguirmos ser pacientes e tolerantes.

Com quem praticamos a paciência? Não com os Buddhas, porque eles não nos deixam com raiva. Não com os nossos amigos, porque eles são bons para nós. Quem nos dá a oportunidade de praticar a paciência? Quem é tão bondoso e nos ajuda a desenvolver aquela qualidade infinitamente boa da paciência? Somente aquele que nos faz mal. Somente nosso inimigo. Portanto, o inimigo é muito mais bondoso conosco do que o Buddha.

Meu mestre deixou isto bem claro para mim. Certa vez, eu era vice-diretora de uma empresa. O diretor e eu não nos dávamos bem. É por isso que eu conheço bem o Capítulo Seis do Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva. Num dia, eu fiquei com muita raiva desta pessoa, e de noite eu voltei ao meu quarto e pensei, "Eu estourei novamente! O que Shantideva sugere que eu pense nesta situação?"

Finalmente, eu larguei aquele emprego. Fui ao Nepal e encontrei meu mestre, Zopa Rinpoche. Estávamos sentados na varanda da casa de Rinpoche, olhando os Himalayas, tão pacíficos e calmos. Então Rinpoche me perguntou, "Quem é mais bondoso para você, Sam ou o Buddha?"

Eu pensei, "Ele deve estar brincando! Não há como comparar. Obviamente o Buddha é muito bom. Mas Sam é um outro caso." Então eu respondi, "O Buddha, é claro."

Rinpoche olhou para mim como que dizendo, "Você ainda não entendeu!" e disse, "Sam lhe deu a oportunidade de praticar a paciência. O Buddha, não. Você não pode praticar a paciência com o Buddha. Portanto, Sam é mais bondoso com você do que o Buddha."

Eu fiquei sentada lá emudecida, tentando digerir o que Rinpoche disse. Lentamente, quanto os anos se passaram, a coisa entrou. É interessante ver a si mesmo mudar quando você se permite pensar assim.
Portanto, esta é outra maneira de pensar quando estamos com raiva: focalize na bondade do inimigo, e pense na oportunidade de praticar a paciência. Tome as más situações como um desafio para ajudá-lo a crescer.

Dando a dor

Outra técnica é dar o dano e a dor ao nosso pensamento egoísta, que é o nosso verdadeiro inimigo. À medida que nos tornamos mais conscientes de nossos pensamentos e ações, como eles influenciam os outros e a nós mesmos, notamos que nossa atitude egoísta causa muitos problemas. Impulsionados pelo egoísmo, falamos e fazemos coisas que ferem os outros, coisas do que mais tarde nos envergonhamos. Quase todos os conflitos que temos com os outros envolve o nosso egoísmo: queremos as coisas do nosso jeito, a outra pessoa quer do seu jeito. Estamos convencidos de que nossa idéia é a certa, e a outra pessoa está convencida de que está certa. Além disto, a atitude egoísta é um dos maiores empecilhos para as realizações espirituais porque nos torna preguiçosos em nossa prática do Dharma.

Assim, o verdadeiro inimigo que obstrui a nossa felicidade e bem-estar é a atitude de auto-estima egoísta. Precisamos estar firmemente convencidos disto. Quando alguém nos critica, ou nos trai, ou nos dá uma surra, ficamos feridos e com raiva. Sentimos, "Como esta pessoa ousa me tratar assim!" Esta atitude vê o caso só de nossa própria perspectiva. Estou preocupado comigo, com os meus sentimentos, o que está acontecendo comigo. No entanto, esta atitude egoísta não é inerentemente nós. É como um ladrão dentro de uma casa. Podemos expulsá-lo quando reconhecer que é perigoso.

Estando convencidos das desvantagens da atitude egoísta, podemos então tomar qualquer dor que experimentamos e dá-la à atitude egoísta. Ao invés de sentir, "Isto é horrível. Eu não gosto de ouvir o que esta pessoa está dizendo", podemos pensar, "Que bom! Toda esta a dor e sentimento de desconforto eu darei à minha atitude egoísta. Este é o verdadeiro inimigo, portanto que ela leve a culpa." Depois podemos sutilmente dar risada, "Ha, ha, atitude egoísta. Ao invés de deixar que me faça infeliz, eu lhe darei esta dor e preocupação!"

Se praticarmos isto com sinceridade, então quando alguém nos criticar ou prejudicar, estaremos felizes. Isto não é porque somos masoquistas, mas porque damos o dano ao verdadeiro inimigo, que é nosso próprio egoísmo. Não precisamos nos aborrecer mais. Além disto, nosso inimigo, a atitude egoísta, está sofrendo, portanto devemos nos alegrar.

Então, quanto mais alguém nos prejudica, mais felizes estaremos. Aliás, pensaremos, "Venha, me critique um pouco mais. Eu quero que minha atitude de autoestima egoísta seja prejudicada". Esta é uma técnica profunda de treinamento do pensamento. A primeira vez que eu a ouvi, pensei, "Isto é impossível! O que é isso de que eu devo ficar feliz quando alguém me critica? Como é que poderei praticar isto?”

Gostaria de compartilhar com vocês uma história de experiência pessoal, quando eu praticava assim em certa ocasião. Foi memorável! Eu estava no Tibete, numa peregrinação com outras cinco pessoas até Lhamo Lhatso, o famoso lago a 18.000 pés. Como o lago é muito remoto, fomos até lá a cavalo. Havia algo de errado com o cavalo de uma das pessoas, então tivemos de andar e guiar o cavalo pelas rédeas. Henry estava com fome e cansado da longa viagem e devido à elevada altitude. Além disso, ele tinha de andar a pé ao invés de a cavalo. Como eu estava me sentindo bem, ofereci-lhe o meu cavalo.

Bem, Henry estourou. E, como no caso quando as pessoas ficam com raiva, se lembram de tudo que você já fez de errado nos últimos dez anos. Ele me disse todos os meus defeitos de anos atrás, todos os problemas que eu causei a outras pessoas e dos boatos que ele havia ouvido, todos os meus erros!

Cá estávamos neste local idílico no Tibete, numa peregrinação a um local sagrado, e ele lá falando e falando, "Você fez isto e você fez aquilo. Então muitas pessoas reclamam de você".

Geralmente, eu sou muito sensível a critica e facilmente me magoou. Então, eu decidi, "Darei toda esta dor à minha atitude de auto-estima egoísta". Eu meditei assim enquanto andávamos, e muito para minha surpresa, comecei a pensar, "Isto é bom! Eu realmente acolho a sua crítica. Aprenderei com ela. Obrigado por me ajudar a consumir o meu karma negativo dizendo-me os meus defeitos. Toda dor vai para a minha atitude egoísta porque este é o meu verdadeiro inimigo".

Foi surpreendente! Enquanto continuávamos pelas trilhas das montanhas, eu senti, "Diga mais. Isto é realmente bom!" Finalmente, paramos para acampar à noite e fizemos chá. Minha mente estava completamente em paz. Acho que isto foi uma benção da peregrinação. Isto me provou que é possível ser feliz quando coisas indesejáveis acontecem. Eu não precisei cair em meu velho hábito de "Pobre de mim! Os outros não gostam de mim".

É da natureza da pessoa ser desagradável?

Há ainda mais uma técnica para evitar a raiva quando alguém nos prejudica. Perguntamos a nós mesmos, "A natureza desta pessoa é a de nos prejudicar?" Se a natureza da pessoa é prejudicial e odiosa, então é inútil ficar com raiva. Seria como ficar com raiva do fogo porque sua natureza é de queimar. É assim que o fogo é; é assim que esta pessoa é. Não tem sentido se aborrecer com isto.

De forma semelhante, se a natureza da pessoa não é prejudicial, então não adianta ficar com raiva. Seu comportamento sem consideração foi uma casualidade; não é a sua natureza verdadeira. Quando chove, não ficamos com raiva do céu, porque as nuvens não são da natureza do céu.

De um lado, podemos dizer que a natureza dos outros é a de criticar, achar defeitos e culpar. Eles são seres sencientes presos na prisão da existência cíclica, então naturalmente suas mentes estão obscurecidas pela ignorância, raiva e apego. Nossas mentes também estão. Se a situação for esta, então porque esperar que nós ou os outros estejamos livres de conceitos equivocados e emoções negativas? Não há motivo para ficar com raiva deles por causarem danos, assim como não há motivo para ficar com raiva do fogo porque ele queima. É exatamente assim que eles são.

Por outro lado, a natureza mais profunda da pessoa que lhe faz mal não é ser prejudicial. Ela tem o puro potencial de Buddha, sua bondade intrínseca. Esta é a sua verdadeira natureza. Seu comportamento odioso é como uma nuvem de trovoada que obscurece temporariamente o céu claro. Aquele comportamento não é ele, então para que ficarmos infelizes sendo impacientes? Pensando assim ajuda muito.

Precisamos aplicar estas técnicas às situações reais. Em nossa meditação diária, podemos puxar as experiências dolorosas de nossa memória e olhá-las sob esta luz. Todos nós temos um reservatório de memórias dolorosas ou rancores que ainda guardamos contra os outros. Ao invés de suprimi-los, é bom puxá-los para fora e interpretar aquelas situações usando alguns dos métodos acima. Assim, deixaremos de ter sentimentos dolorosos e ressentimentos.

Se não fizermos isto, poderemos ter rancores por 20 ou 30 anos. Nunca esquecemos o mal que recebemos e nos tornamos infelizes quando guardamos cuidadosamente estas memórias. Por exemplo, durante o primeiro retiro de purificação que eu fiz na Índia, eu percebi que ainda estava com raiva de minha professora do segundo ano primário porque ela não me deixou participar do teatrinho da classe. Isto tinha acontecido há mais de 20 anos e eu ainda não a havia perdoado!

A família é muita boa em guardar rancores. Eu conheço uma família grande que possui duas casas num mesmo terreno. As casas foram compradas juntas como casas de campo. Certa vez, as pessoas de uma casa brigaram com seus irmãos e primos na outra casa, e desde então deixaram de se falar. Há mais de quarenta anos, decidiram que se odeiam e não se falam pelo resto da vida. As famílias ainda vão até lá nos feriados, mas não se falam. É meio ridículo não é?

Vejamos os rancores que ainda guardamos durante anos: um pequeno incidente acontece — alguém não veio a um casamento ou funeral, ou alguém riu de nós, ou alguém nos embaraçou na frente dos outros — e juramos nunca mais falar ou ser gentil com aquela pessoa enquanto vivermos. Guardamos este tipo de voto tão perfeitamente e, no entanto achamos difícil guardar os votos de não mentir ou roubar.

Durante anos ficamos com raiva de outra pessoa. Mas quem sai perdendo? Quem fica infeliz? Quando guardamos um rancor, a outra pessoa não fica infeliz. Ela geralmente já esqueceu o incidente. Mesmo numa situação mais séria, porexemplo um divórcio, o outro pode ter se desculpado pelo que fez. Mas em ambos os casos, nos apegam ao mal como estivesse gravado na pedra. Certa vez alguém nos xingou, mas repassamos esta memória em nossas mentes dia após dia, e revivemos a má vez após vez. Isto é uma excelente forma de autotortura.

Guardar rancor não serve a nenhum propósito produtivo. Como um câncer mental, os rancores nos consomem. Enquanto guardarmos ressentimentos, nunca poderemos perdoar aos outros. Mas a nossa falta de perdão não fere o outro, mas sim a nós mesmos.

Porque é tão difícil perdoar os erros dos outros? Nós também cometemos erros. Vendo o nosso próprio comportamento, notamos que algumas vezes fomos vencidos pelas emoções negativas e agimos de modo que mais tarde nos arrependemos. Queremos que os outros compreendam e perdoem os nossos erros. Porque então não podemos perdoar aos outros?

Podemos, é claro, perdoar alguém sem sermos ingênuos. Podemos perdoar um alcoólatra por estar bêbado, mas isto não significa que esperamos que ele deixe de beber imediatamente. Podemos perdoar uma pessoa por nos ter mentido, mas no futuro, pode ser prudente ter cuidado e verificar suas palavras. Pode-se perdoar um cônjuge por ter tido uma relação extraconjugal, mas não se deve ignorar os problemas conjugais que levaram o outro a buscar companhia em outro lugar.

Para ter um coração livre e aberto, precisamos fazer uma faxina interna; precisamos tirar todos aqueles rancores, ver a dor, mas sem repassar o mesmo vídeo de autopiedade em nossas mentes. Podemos ver estas situações de uma perspectiva nova, empregando as diversas técnicas para dissolver a raiva que foram descritas acima.

Assim, soltaremos a hostilidade que estivemos carregando em nossos corações durante anos. Além disso, ganharemos familiaridade com as técnicas de forma que poderemos rapidamente recordá-las quando incidentes semelhantes acontecer em nossas vidas diárias.

A outra pessoa está feliz?

Mais uma técnica para a raiva é perguntarmo-nos, "A pessoa que está fazendo mal a mim está feliz?" Alguém está gritando comigo, reclamando de tudo que eu faço. Ele está feliz, ou está se sentindo miserável? Obviamente, ele está se sentindo infeliz. É por isso que está agindo assim. Se estivesse feliz, não estaria discutindo.

Todos nós sabemos o que é ser infeliz. É exatamente assim que esta pessoa está se sentindo agora. Vamos nos colocar em seu lugar. Quando estamos infelizes e "colocando tudo para fora", como gostaríamos que os outros reagissem? Geralmente, queremos que nos compreendam, que nos ajudem.

É assim que esta pessoa está-se sentindo. Então, como poderemos ter raiva dela? Ela deveria ser objeto de nossa compaixão, não de nossa raiva. Se pensarmos assim, veremos o nosso coração cheio de paciência e bondade-amorosa pelo outro, não importa como ele age conosco.

Nossas atitudes mudam, porque ao invés de ver a situação de nosso próprio ponto de vista auto centrado — o que alguém está fazendo comigo — se nos colocarmos no lugar da outra pessoa, vamos experimentar a sua dor, sentir a sua vontade de ser feliz. Vendo que em essência o outro é exatamente como nós somos, é fácil pensar, "Como eu posso ajudá-lo?" Tal atitude não só evita que fiquemos aborrecidos, mas também nos inspira a aliviar o sofrimento do outro.

Várias técnicas foram aqui discutidas para ajudar a dissolver a nossa raiva. Vamos revê-las:
1. Lembre o exemplo de alguém dizendo que temos um nariz ou que temos chifres. Podemos reconhecer nossos erros e defeitos, assim como reconhecemos que temos um nariz no rosto. Não há necessidade de ficar com raiva. Por outro lado, se alguém nos culpa por algo que não fizemos, é como se tivesse dito que temos chifres em nossa cabeça. Não há motivo para ficar com raiva de algo que não é verdadeiro.
2. Pergunte a si mesmo, "Eu posso fazer algo sobre isto?" Se puder, então a raiva não tem sentido porque você pode melhorar a situação. Se não puder
mudar a situação, a raiva é inútil porque nada pode ser feito.
3. Examine como se envolveu na situação. Isto tem duas partes :

a) Que ações você cometeu recentemente para instigar o desacordo? Examinar isto ajuda a compreender porque a outra pessoa está aborrecida.

b) Reconheça que situações desagradáveis são devidas ao fato de termos causado mal aos outros anteriormente nesta vida ou em vidas prévias. Vendo nossas próprias ações destrutivas como causa principal, podemos aprender com os erros passados e decidir agir melhor no futuro.
4. Lembre-se da bondade do inimigo. Primeiro, ele aponta nossos erros de forma que podemos corrigi-los e melhorar nosso caráter. Em segundo lugar, ele nos dá a oportunidade para praticar a paciência, uma qualidade necessária ao nosso desenvolvimento espiritual. Nessas maneiras, o inimigo é mais bondoso conosco do que nossos amigos ou até mesmo o Buddha.
5. Dê a dor à sua atitude egoísta reconhecendo que o egoísmo é como que a fonte de todos os nossos problemas.
6. Pergunte a si mesmo, "A natureza desta pessoa é agir assim?" Se for, então não há razão para ter raiva, porque seria como ficar aborrecido com o fogo por estar queimando. Se não for a natureza da pessoa, novamente a raiva é irrealista, porque seria como ficar com raiva do céu por estar com nuvens.
7. Examine as desvantagens da raiva e de guardar rancor. Isto dá uma tremenda energia para soltar estas emoções destrutivas.
8. Reconheça que a infelicidade e confusão da outra pessoa estão fazendo com que ele ou ela nos faça mal. Como sabemos o que é ser infeliz, podemos ter simpatia com esta pessoa. Assim, esta pessoa se torna objeto de nossa compaixão, não objeto de nossa raiva.
Se estas técnicas funcionarão para nós ou não vai depender de nós mesmos. Temos de praticá-las repetidamente para construir novos hábitos emocionais e mentais. Guardar o remédio na gaveta sem tomá-lo não vai curar a doença. De forma semelhante, apenas ouvir os ensinamentos sem colocá-los em prática não vai diminuir a nossa raiva. A nossa paz de espírito é de nossa responsabilidade.
Perguntas e respostas

Ser paciente com as pessoas que nos prejudicam significa ser passivo? Precisamos deixar que prevaleçam suas opiniões ou deixar que nos pisem?

Não. Podemos corrigir uma má situação sem antagonismos. Aliás, seremos mais efetivos agindo assim, quando estivermos calmos e com o pensamento claro.

Às vezes precisaremos ter de falar com alguém com firmeza porque esta é a única maneira de nos comunicar com esta pessoa. Por exemplo, se sua filha está brincando na rua e você diz muito docemente, "Susie querida, porfavor não brinque na rua," ela pode ignorá-lo. Mas se falar com firmeza e explicar-lhe o perigo, ela se lembrará e obedecerá.
Como um entusiasta do esporte, não será boa a raiva porque nos ajuda a ganhar o jogo? O esporte é uma boa maneira de soltar a raiva?

Sim, o esporte é uma maneira socialmente aceitável para soltar a raiva. No entanto, não cura a raiva, só libera temporariamente a energia física que acompanha a raiva. Mas, ainda estaremos evitando o verdadeiro problema, isto é, nossas emoções perturbadoras e conceitos equivocados com relação a uma situação.

Sim, a raiva pode ajudá-lo a ganhar o jogo, mas será isto realmente benéfico? Vale a pena reforçar esta característica negativa só para receber um troféu? O perigo no esporte é tornar o “nós e eles” muito concretos. "O meu time deve vencer. Temos de lutar e derrotar o inimigo".

Mas, vamos recuar um momento. Porque deveríamos ganhar e o outro time perder? A única razão é a seguinte, "Meu time é melhor porque é meu”. O outro time sente a mesma coisa. Quem está certo? A competição baseada em tal autocentrismo não é produtiva porque gera raiva e ciúme.

Por outro lado, podemos nos concentrar no processo de jogar o jogo, e não no alvo de vencer. Neste caso, apreciaremos o exercício físico, a camaradagem e o espírito de equipe, seja vencendo ou perdendo. Psicologicamente, esta atitude traz mais felicidade.

Como devemos lidar com a raiva ao testemunhar uma pessoa prejudicando a outra?

Todas as técnicas descritas acima se aplicam aqui. No entanto, ser paciente não significa ser passivo. Podemos ter de agir para impedir que uma pessoa faça mal à outra, mas a chave é fazer isto com compaixão imparcial por todos na situação.

É fácil ter compaixão pela vítima. Mas a compaixão pelo criminoso é igualmente importante. Esta pessoa está criando a causa para o seu próprio sofrimento: mais tarde ele pode ser torturado pela culpa, ele pode ter problemas com a lei, e ele colherá os frutos kármicos de suas próprias ações. Reconhecendo os sofrimentos que ele está trazendo para si mesmo, poderemos desenvolver a compaixão por ele. Assim, com preocupação igual pela vítima e pelo criminoso, podemos agir para evitar que uma pessoa faça mal a outra.

Não precisamos estar com raiva para corrigir um erro. As ações movidas pela raiva podem complicar ainda mais a situação! Com uma mente clara, somos capazes de determinar mais facilmente o que podemos fazer para ajudar.
Como posso ajudar alguém que esteja criando karma negativo tendo raiva de mim?
Cada situação é diferente e deve ser examinada separadamente. No entanto, algumas linhas gerais podem ser aplicadas. Primeiro deve verificar se a queixa do outro a nosso respeito se justifica. Se sim, podemos nos desculpar e corrigir a situação. Isto cessa a raiva do outro.

Em segundo lugar, quando alguém está muito aborrecido ou com raiva, tente acalmá-lo. Não argumente, porque no seu atual. estado mental, ele não pode ouvi-lo. Isto é compreensível: nós não ouvimos os outros quando estamos temperamentais. Portanto, é melhor ajudá-lo a se acalmar e mais tarde, talvez no dia seguinte, conversar.

O que devemos fazer quando as pessoas criticam o budismo?
Isto é opinião deles. Eles têm o direito de tê-la. É claro que não concordamos com eles. Às vezes podemos conseguir corrigir o conceito equivocado do outro, mas às vezes as pessoas têm a mente muito estreita e não querem mudar suas opiniões. Isto é assunto deles. Simplesmente esqueça.

Não precisamos da aprovação dos outros para praticar o Dharma. Mas precisamos estar convencidos em nossos corações de que o que fazemos é certo. Se estivermos convencidos, então as opiniões dos outros não são importantes.

A critica dos outros não prejudica o Dharma ou o Buddha. O caminho da iluminação existe, quer os outros os reconheçam ou não. Nós não precisamos ficar defensivos. Aliás, se ficarmos agitados quando os outros criticam o budismo, isto indica que estamos apegados às nossas crenças, que nosso ego está envolvido e, portanto sentimos compelidos a provar que nossas crenças estão certas.

Quando estamos seguros daquilo que acreditamos, as críticas dos outros não perturbam a nossa paz. Porque deveriam? Críticas não significam que nossas crenças estejam erradas, nem significa que nós somos estúpidos ou maus. É simplesmente a opinião de uma outra pessoa, só isso.
O budismo tibetano tem muitas imagens de divindades iradas. O que isto significa?

Estas divindades ou figuras de Buddhas são manifestações da sabedoria e compaixão do Buddha. Sua ferocidade não é dirigida aos seres viventes, porque como Buddhas, eles só têm compaixão pelos outros. Ao contrário, sua força é dirigida à ignorância e ao egoísmo, que são as verdadeiras causas de todos os nossos problemas.

Ao mostrar um aspecto feroz, essas divindades demonstram a necessidade de agir rapidamente e com firmeza contra a nossa ignorância e nosso egoísmo. Não é nada benéfico ser pacientes com os nossos inimigos internos, que são as atitudes perturbadoras. Devemos nos opor ativamente contra isto. Essas divindades ilustram que, ao invés de ficarmos irados com os outros seres, devemos ser ferozes com os inimigos internos, como a ignorância e o egoísmo.

Além disso, como manifestações da sabedoria compassiva, estas divindades representam simbolicamente a sabedoria compassiva conquistando as atitudes perturbadoras.
Como identificar a nossa raiva?
Existem diversas maneiras de fazer isto. Quando fazemos a meditação com a respiração — claramente focalizando o ar ao inalar e exalar observe que distrações surgem. Podemos reconhecer uma sensação geral de agitação ou raiva. Ou podemos lembrar de uma situação de anos atrás que ainda nos irrita. Ao notar estas distrações, saberemos o que precisamos trabalhar.

Podemos também identificar nossa raiva ficando cientes de nossas reações físicas, estejamos meditando ou não. Por exemplo, se sentirmos nosso estômago apertando, ou a temperatura de nosso corpo aumentando, pode ser um sinal de que estamos começando a perder a nossa calma. Cada pessoa tem manifestações físicas diferentes da raiva. Podemos ser observadores e notar as nossas. Isto é útil, porque às vezes é mais fácil identificar as sensações físicas que acompanham a raiva do que a própria raiva.

Uma outra maneira é observar nossos humores. Quando estamos de mau humor, podemos dar uma pausa e nos perguntar, "O que é esta sensação? O que a instigou?" Às vezes podemos observar padrões em nossos humores e comportamentos. Isto nos dá uma pista de como nossa mente opera.
O que podemos fazer com a raiva que vem se acumulando há muito tempo?
Levará um tempo para libertar nossa mente disto. A raiva habitual deve ser substituída pela paciência habitual, e isto leva tempo e esforço consistente para ser desenvolvido. Quando notamos que nossa raiva está crescendo com relação a alguém, é bom perguntarmo-nos, "Que botão esta pessoa está apertando em mim? Porque fico tão irritado com seus atos" Assim, pesquisamos nossas reações para determinar a verdadeira questão do assunto. Nos sentimos impotentes? Nos sentimos que ninguém nos ouve? Estamos ofendidos? Observando nesse sentido, vamos nos conhecer melhor e podemos então aplicar o antídoto correto àquela atitude perturbadora. É claro que prevenir é o melhor remédio. Ao invés de deixar a sua raiva crescer durante um longo tempo, é melhor ser corajoso e tentar se comunicar com a outra pessoa mais cedo. Isto acaba com a proliferação de conceitos equivocados e mal entendidos. Se deixarmos nossa raiva crescer durante um tempo, como poderemos pôr a culpa na outra pessoa? Nós temos alguma responsabilidade de tentar nos comunicar com a pessoa que nos perturba.

Dedicação

Vamos agora dedicar o potencial positivo que acumulamos para que todos os seres tenham mentes pacificas livre de hostilidade. Ao praticar a paciência, possamos dissipar a nossa própria raiva, e assim, possamos ser capazes de ensinar aos outros e inspirá-los a se transformarem em Buddhas pacíficos.

(Adaptado de um texto traduzido e divulgado pelo Centro Shiwa Lha.)

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