Quem foi Buddha?

Não houve ninguém a quem se possa chamar o Buddha, pois Buddha é um estado mental existente em todos os seres, todos os seres vivos são potenciais Buddhas. Contudo aquele que é vulgarmente conhecido como o Buddha, trata-se de Gautama Siddharta, conhecido depois da iluminação por Buddha Shakyamuni.
O sistema de castas também vigorava no reino do clã Shakya. Naquela época, a Índia estava dividida em cerca de duzentos ou trezentos pequenos reinos. Shakya localizava-se entre o norte da Índia e as montanhas do Himalaia, no sul de Nepal. Sua capital, Kapilavastu, ficava no vale oeste do rio Rohini (actual Kohana, afluente do Ganges), a nordeste de Benares e a noroeste de Patna, perto de Garakhpur. Apesar de sua grande actividade agrícola, o reino estava passando por graves problemas políticos: não era completamente independente e tinha de pagar tributos ao reino vizinho, Kosala.
Por volta dos séculos VI-V a.C., Shakya era governado pelo rajá Shuddhodana Gautama, membro da casta guerreira. O rei era casado com sua bela prima, Maya-devi Gautami, e apesar de quererem ter filhos, não conseguiram tê-los, tendo Shuddhodana perdido as esperanças pois tinha mais de 50 anos de idade e sua esposa tinha 45. Mas certa vez, Maya sonhou com um belo elefante branco. Sete sábios interpretaram o sonho como o prenúncio do nascimento de um filho prodigioso: ele seria um imperador universal (sânsc. chakravartin) se vivesse no palácio de seu pai, ou um asceta (sânsc. bhikshu) se renunciasse ao trono.
Shuddhodana ficou ao mesmo tempo esperançoso e preocupado. Ele não queria que seu filho fosse um asceta, mas sim um grande imperador, que pudesse solucionar os problemas do reino e aumentar o poder do seu clã.
No fim de uma gestação de 10 meses, Maya seguiu a tradição indiana e viajou para a casa de seus pais em Kapilavastu, a fim de ter o seu filho lá. O filho de Maya nasceu perto daquela cidade, nos jardins de Lumbini, no alvorecer do 8º dia do 12º mês lunar de 565 a.C. Sob uma grande árvore ashoka, a rainha deu a luz à um belo menino, que saiu debaixo de seu flanco direito .
Segundo as histórias tradicionais, a criança deu sete passos na direcção de cada ponto cardeal e flores desabrocharam nos lugares pisados. Algumas tradições dizem que ele apontou para o céu com a mão direita e para a terra com a mão esquerda, dizendo: "Entre o céu e a terra, sou o único que é digno de veneração!"
Segundo outras tradições, ele teria dito: "Sou o líder do mundo, sou o guia do mundo. Este é o meu último nascimento." Naquele momento caiu uma chuva de néctar doce e seres divinos apareceram no céu.
Por causa desses acontecimentos, o recém-nascido recebeu o nome de Sarvarthasiddha Gautama (aquele da família Gautama que realiza todas as suas metas), logo simplificado para Siddhartha Gautama (páli Siddhattha Gotama, aquele da família Gautama que realiza suas metas). Um velho eremita chamado Asita foi vê-lo e descobriu vários sinais no menino, confirmando as previsões.
Maya faleceu uma semana após o nascimento Siddhartha. Ela foi dormir sorrindo e não despertou; acabou renascendo em Trayastrinsha, o paraíso dos trinta e três deuses.
Siddhartha passou a ser cuidado por sua tia, Prajapati Gautami, que futuramente se tornaria a primeira monja buddhista. O rei Shuddhodana deu três palácios ao príncipe: um de mármore para o verão, um de cedro para o inverno e um de ladrilhos para a época das monções. Após vencer um torneio de artes marciais, aos 16 anos, Siddhartha casou-se com Yashodhara, filha do rajá Dandapani, e ganhou o belo palácio de Visharamvan. Posteriormente, casou-se também com Gopa e Mrigaja, mas foi com Yashodhara que ele teve seu único filho, Rahula.
Com a idade de 29, Siddhartha convenceu o seu pai de que já era o momento de conhecer o mundo; o príncipe nunca tinha saído dos palácios. Acompanhado do cocheiro Channa, o príncipe foi conhecer a cidade. O rei Shuddhodana tentou evitar que seu filho se deparasse com qualquer cena desagradável, camuflando a cidade e mandando esconder as pessoas que sofriam. Mesmo assim, quatro seres divinos aparecem para o príncipe, respectivamente como um velho, um doente, um morto e um asceta. Muito entristecido com o que viu, Siddhartha discutiu com seu pai e decidiu abandonou sua vida luxuosa.
Cavalgando o corcel Chandaka, Siddhartha fugiu para as margens do rio Anoma. O cocheiro Channa não gostou da idéia e, apesar das insistências, não conseguiu convencer o príncipe a retornar ao palácio.
Siddhartha queria descobrir uma maneira de eliminar os sofrimentos. Como sua vida luxuosa não poderia livrá-lo da doença, velhice e morte, Siddhartha trocou a vida palaciana pela vida ascética
Como símbolo de sua renúncia, Siddhartha cortou seus longos cabelos com uma espada. Ele passou a praticar ascetismo na floresta de Uruvela, no reino de Magadha.
Algum tempo depois, ele encontrou Alara Kalama e Udraka Ramaputra, que lhe ensinaram avançadas técnicas de meditação. Porém, eles não conseguiram satisfazer as dúvidas de Siddhartha quanto à natureza do eu, nem responder à pergunta do ex-príncipe: como extinguir o sofrimento?
Por seis anos, Siddhartha foi acompanhado por outros cinco ascetas — Ajnatakaundinya, Ashvajit, Vashpa, Mahanaman e Bhadrika —, ex-discípulos de Udraka Ramaputra. Quando percebeu que o ascetismo não traria os resultados que procurava, Siddhartha abandonou este estilo de vida. Subitamente, ele compreendeu que a vida palaciana e a vida ascética são dois extremos; o ideal é seguir um caminho intermediário, o caminho do meio (sânsc. madhyama-pratipad), o caminho do despertar.
Duas jovens, Radha e Sujata, ofereceram comida para Siddhartha se alimentar. Os cinco ascetas pensaram que ele tinha abandonado sua busca pela iluminação e partiram sem ele.
Após recuperar a saúde, Siddhartha foi para uma região conhecida como Círculo da Iluminação (sânsc. Bodh-Gaya) em Bihar, onde os iluminados do passado atingiram o despertar. Próximo ao rio Nairanjana, Siddhartha sentou-se em postura de meditação sob a figueira bo, jurando para si mesmo que só se levantaria após atingir a iluminação.
Raios de luz começaram a sair de seu corpo e de sua cabeça, atraindo a atenção de Mara, o demônio da ignorância. Mara mandou suas belíssimas filhas distraírem a concentração de Siddhartha, mas elas não conseguiram. Então, Mara enviou outros demônios para assustá-lo, mas eles fugiram de medo! Por último, Mara jogou flechas, pedras e bolas de fogo, que se transformaram em pétalas e faíscas. Mara, cheio de ódio, retirou-se; Siddhartha continuou a meditar. Primeiro, Siddhartha lembrou-se de suas incontáveis vidas passadas; depois, ele viu o processo de renascimento de todos os seres; finalmente, ele alcançou a verdade última de todos os fenômenos.
No 8º dia do 12º mês lunar de 527 a.C., com trinta e seis anos de idade, Siddhartha compreendeu sua própria natureza búddhica (sânsc. buddhata) e, conseqüentemente, compreendeu o sofrimento, sua causa, sua extinção e o meio para extingui-lo. Siddhartha conseguiu alcançar a iluminação (sânsc. bodhi), e passou a ser conhecido como o Iluminado, o Desperto (sânsc. Buddha), o Sábio dos Shakyas (sânsc. Shakyamuni).
Shakyamuni continuou meditando por 49 dias. Nesse período, ele sentiu grande compaixão por todos os seres e decidiu ensinar o Caminho às outras pessoas.
Shakyamuni pensou em instruir seus antigos professores (Alara Kalama e Udraka Ramaputra) mas, com sua visão interior, percebeu que eles tinham falecido. Então decidiu procurar os cinco ascetas que o tinham abandonado. Eles estavam morrendo de fome no Parque das Gazelas em Sarnath, Varanasi (Benares). Num primeiro momento, os ascetas não queriam conversar com o "renegado que trocou o ascetismo por uma tigela de caldo de arroz".
A partir daí, Shakyamuni passou a viajar constantemente pelo vale do Ganges, atraindo milhares de discípulos.
Ao retornar à cidade de Kapilavastu, ele deu ensinamentos a seu pai, Shuddhodana, que se tornou monge. O rei de Magadha, Bimbisara, doou o bosque Jetavana à comunidade buddhista (sânsc. Sangha).
Shakyamuni expôs sua doutrina (sânsc. Dharma) principalmente nas cidades indianas de Rajagriha e Vaishali. Seus ensinamentos não se restringiram aos campos religiosos e filosóficos; ele criticou o sistema de castas, o abuso de autoridade dos brâmanes e os costumes sociais, políticos e religiosos daquela época. Shakyamuni era conhecido não apenas pela sua grande compaixão, mas também pela sua disciplina pura. Ele não aceitava a estrutura social da Índia, que permitia a discriminação e o abuso de autoridade por parte dos brâmanes, a "casta superior".
Shakyamuni continuou a dar ensinamentos até o seu falecimento, no 15º dia do 2º mês lunar de 486 a.C., no bosque de Shala, em Kushinagara. Após suas instruções finais, entrou num estado de profunda meditação e alcançou a paz (sânsc. nirvana), a liberação final (sânsc. parinirvana).
Pouco tempo depois, seu corpo foi cremado e suas cinzas foram divididas entre os relicários (sânsc. stupa) de Lumbini, Magadha, Varanali, Shravasti, Kanyakubja, Rajagriha, Vaishali e Kushinagara.

O que é o budismo?

Ao contrário do pensamento comum, o budismo não é uma religião, pois não existe um deus criador, porém também não será correcto denominá-la como uma filosofia, pois aborda muito mais do que uma mera absorção intelectual. O Budismo não tem uma definição, tendo aquela que qualquer praticante lhe queira atribuir, contudo poderemos denominá-la de caminho de crescimento de espiritual, através dos ensinamentos dos Buddhas.
Todos os seres sencientes têm o mesmo desejo primordial - seres felizes e livrarem-se do sofrimento. Até mesmo recém-nascidos, animais, e insectos têm esse desejo. É o nosso desejo desde tempos sem inicio e está presente em nós todo o tempo, mesmo quando estamos a dormir. Nós desperdiçamos todo o trabalho da nossa vida para realizar este desejo.
Cada vez mais os seres humanos gastam tempo e energia desenvolvendo condições externas na sua busca pela felicidade e pela resolução dos seus problemas. Qual foi o resultado? Em vez de ver-mos os nosso desejos satisfeitos, o sofrimento dos seres humanos cresce a cada dia que passa, ao contrário da felicidade e da paz, que a cada dia que passa diminui. Isto mostra-nos claramente que precisamos de encontrar um método válido para realizar pura felicidade e liberdade do sofrimento.
Todos os nossos problemas e todos os nossos sofrimentos, são criados por mentes descontroladas e acções não-virtuosas. Através da prática do Dharma nós podemos aprender a pacificar e controlar estes estados mentais. Para isto Buddha deu 84.000 ensinamentos, cada um referente a uma doença mental. Ensinando que a nossa vida humana é extremamente preciosa e rápida para nos preocupar-mos com actividades fúteis e malvadas. Para contrapor tais actividades devemos desenvolver paz, calma e sabedoria, para nos abstrairmos dos três venenos (ignorância, auto-apego, e raiva), de modo a eliminar o nosso mau karma, sairmos de samsara, e atingir felicidade permanente, e a verdadeira cessação de todos os nossos sofrimentos.
Existem vários tipos de Budismo, consoante a aspiração de cada pessoa. Existem três tipos principais de Budismo, o Hinayana, o Mahayana, e o Vajrayana.
No Hinayana, ou pequeno veículo, o praticante tem como motivação e objectivo a iluminação para bem próprio. Tentando cessar o seu sofrimento pessoal. O culminar deste caminho será a cessação de samsara e a obtenção do estado de Arhat.
No Mahayana, ou Grande Veículo, o praticante tem como motivação e objectivo a iluminação para o bem de todos os seres. A motivação do Mahayana é a compaixão universal, pela qual se tenta atingir a cessação do sofrimento pessoal como o Hinayana, mas com uma outra intenção última, que todos os seres também se possam livrar de todos os sofrimentos. Compreendendo que somente quando se atinge o estado de Buddha se pode beneficiar todos os seres. É também importante referir que só com bodhichitta, este desejo de libertar todos os seres do sofrimento, se poderá atingir o estado de Buddha.
No Vajrayana, ou Veículo Diamante, o praticante tem a mesma motivação, bodhichitta, mas através de receber instruções especiais e secretas, poderá atingir a iluminação de um modo mais rápido.
Existe a alegoria do rio envenenado que nos transmite a diferença entre o caminho Mahayana e o Vajrayana. Imaginemos um rio contaminado por bagas venenosas, algures no seu percurso, o praticante Mahayana espera que o veneno desapareça com o tempo das águas, não bebendo nem deixando os outros beber, o que poderá levar muito tempo, no entanto, o praticante Vajrayana iniciado nas instruções secretas, muitas delas dadas somente de mestre para discípulo oralmente, também denominadas, verdades sussurradas ao ouvido, iria pelo rio em busca das bagas venenosas, para as retirar directamente do rio, e assim todos poderem livremente beber a água o mais rápido possível.

O que é a meditação?

A meditação é um método para familiarizar a nossa mente com objectos virtuosos. Quanto mais familiarizada com virtude, mais calma estará a nossa mente. Com uma mente calma estaremos livres de insatisfação e experimentaremos felicidade verdadeira. Se a nossa mente estiver serena, então, mesmo que tenhamos as melhores condições externas, não estaremos livres felizes. Ao contrário, se treinarmos a nossa mente para que ela se torne serena, seremos felizes todo o tempo., mesmo nas situações mais adversas. Por esta razão é importante treinar a nossa mente por meio da meditação.
Existem dois tipos de meditação: analítica e posicionada. A meditação analítica consiste em contemplar o significado de uma instrução de Dharma que ouvimos ou lê-mos. Analisamos o objecto utilizando linhas de raciocínio que ouvimos ou lê-mos, assim como as nossas próprias experiências sobre o tema. Ao contemplar profundamente, chegaremos a uma conclusão, ou geraremos um estado mental específico. Este será o objecto da meditação posicionada. Tendo encontrado o nosso objecto através da meditação analítica, nós, então, concentramo-nos nele unifocadamente pelo maior tempo possível, para nos familiarizar profundamente com ele. Esta concentração unifocada é a meditação posicionada, enquanto que a analítica é chamada simplesmente de 'comtemplação'. A meditação posicionada depende da contemplação, e a contemplação depende de escutar ou ler os ensinamentos de Dharma.

Porquê meditar?
Se examinarmos as nossas vidas, iremos, provavelmente, descobrir que a maior parte do nosso tempo e energia são orientados para a conquista de metas mundanas, tais como buscar segurança material e emocional, desfrutar dos prazeres dos sentidos, ter boa reputação, etc. Embora tais coisas possam trazer alguma satisfação temporária, elas são incapazes de prover a felicidade profunda e duradoura que tanto almejamos. Mais cedo ou mais tarde essa felicidade converte-se em insatisfação e surpreendemo-nos novamente envolvidos na procura de mais prazeres mundanos.
Mas, se a satisfação verdadeira não pode ser encontrada nos prazeres mundanos, onde poderemos encontrá-la? A felicidade é um estado mental, logo, a verdadeira fonte de felicidade não reside em condições exteriores, mas sim na mente. Se tivermos uma mente pura e serena, estaremos felizes, independentemente das nossas circunstâncias externas. Ao contrário, se tivermos uma mente perturbada, nunca encontraremos felicidade, por mais que tentemos mudar as nossas condições externas.
O objectivo da meditação é cultivar os estados mentais que são conducentes à paz e à felicidade, e erradicar os que trazem confusão e sofrimento. Apenas os seres humanos podem trazer isto. Os animais podem desfrutar comida e sexo, encontrar abrigos, armazenar provisões, subjugar os seus inimigos e proteger as suas famílias, mas não podem eliminar o sofrimento, nem conquistar felicidade duradoura. Seria uma causa de profundo arrependimento se usássemos a nossa vida humana preciosa para obter resultados que até os animais podem obter. Porém, podemos evitar tal desperdício e tornar a nossa vida verdadeiramente significativa se treinarmos a nossa mente através de meditação.

Como se medita?
Escolhemos um local sossegado, e então assumimos a seguinte postura:
A postura em sete pontos
\ A utilidade desta postura é extensamente explicada nos textos sobre os diferentes yogas. Mas sucintamente, o objectivo é permitir aos elementos subtis nos diferentes centros do corpo que recuperem o seu equilíbrio.
\ As pernas estão na posição de lótus ou de vajra (cruzadas uma sobre a outra) ou na posição dita do bodhisattva (cruzadas uma à frente de outra).
\ A coluna vertebral é mantida direita como uma flecha.
\ Os ombros estão puxados para trás, «como as asas dum abutre».
\ As palmas das mãos estão postas sobre os joelhos; ou ainda, a mão direita repousa dentro da mão esquerda ao nível do umbigo, as palmas das mãos viradas para cima com a extremidade dos polegares em contacto;
\ A língua, nem enrolada nem crispada, repousa confortavelmente contra o palato;
\ Os olhos podem estar abertos ou fechados. No caso presente, deixamo-los numa posição perfeitamente natural, nem fechados, nem encarquilhados;
\ A cabeça não deve pender nem para trás nem para a frente: o pescoço deve estar direito e o queixo ligeiramente para dentro, de forma a manter a coluna direita.

Então, concentramo-nos unifocadamente no acto de inalar e exalar, é muito importante a concentração na respiração pois traz calma, e paz. (poderá encontrar um texto mais aprofundado sobre a meditação na respiração, na secção de textos). Existem muitas meditações diferentes contudo todas elas começam com a meditação na respiração, de modo a acalmar a nossa mente para uma contemplação mais profunda
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Linhagem Sakya. :-)

Em 1073, o lama tibetano Könchog Gyelpo (sânsc. dKon mchog rGyal po) fundou o monastério Sakya, numa região do Tibete conhecida pela sua Terra de cor Cinza (tib. Sakya / Sa skya). O mosteiro, então, tornou-se centro da escola homónima Sakya(-pa), com patronagem da tradicional família Khön, antes associada à escola Nyingma. Könchog recebeu do tibetano Drogmi (tib. 'Brog mi, 992-1102) os ensinamentos da linhagem de um mestre tântrico indiano chamado Virupa.
[Virupa] era originalmente um grande estudioso, um pandita, mas depois se tornou um praticante tântrico. Por anos e anos, ele aplicou o método de transformação de Hevajra e, em particular, a recitação do mantra de Damema [sânsc. Nairatmya, tib. bDag med ma], a consorte de Hevajra. A história diz que, certo dia, enquanto ele estava num estado contemplativo de total claridade, ele subitamente se levantou e jogou o seu mala [rosário], que ele geralmente segurava para contar os mantras, na latrina. Então, ele voltou à sala, jogou no chão as oferendas de mandala que ele havia preparado para a prática e foi embora, sem nunca mais voltar. Virupa tinha alcançado a iluminação, mas todos pensaram que ele tinha ficado louco.
(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)
Virupa tornou-se um mestre siddha [um adepto tântrico] e tinha controlo sobre a vida e a morte. Ele podia criar aparências à vontade e as limitações das pessoas comuns não se aplicavam a ele. (...) Durante as suas viagens, ele continuou a impressionar as pessoas com mostras surpreendentes do seu poder yógico, e viajou por toda a Índia usando as suas habilidades para converter os seres sencientes ao budismo. Diz-se que ele viveu 700 anos, durante os quais ele fez incontáveis actos de poder e finalmente atingiu a libertação completa e subiu ao paraíso das dakinis.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
Drogmi recebeu do mestre indiano Gayadhara os principais ensinamentos de Virupa, chamados de Caminho e Fruto (tib. Lamdre / Lam bras). Estes ensinamentos foram passados para Setön Kunrig, que por sua vez transmitiu-os para Shangtön Chobar.
O Lamdre tem como base os Versos Vajra (sânsc. Vajra Gatha, tib. Dorje Ts'hikang / rDo rje Tshig rkang) de Virupa e o Hevajra Tantra (tib. Kyedorje Gyü / Kye rdo rje rgyud).
No Lamdre, afirma-se que a mente possui três características principais:
\ A mente é luz clara;
\ A mente é vazia;
\ A mente é a união inseparável da luz clara e do vazio.
Neste sistema, o caminho inclui a causa pois, nele, purificam-se as negatividades que impedem a realização da iluminação. O caminho também inclui o resultado, pois este é um aspecto transformado da causa. (...) Um princípio importante dos ensinamentos Lamdre é a similaridade dos aspectos da aparência tríplice (ou visão tríplice, sânsc. tryavabhasa, tib. nangsum / snang gsum) e do continuum tríplice (sânsc. tritantra, tib. gyüsum / rgyud gsum). A aparência tríplice consiste de: 1. a aparência do fenômeno como sendo impuro; 2. a aparência da existência na meditação; 3. a aparência pura. Os textos Lamdre indicam que estas três são, fundamentalmente, a mesma aparência, e que a única diferença está no modo como são percebidas. O continuum tríplice é constituído pela base (sânsc. adhara, tib. shi / gzhi), caminho (sânsc. marga, tib. lam / lam) e fruto (sânsc. phala, tib. drepu / 'bras bu). Assim como as três partes da aparência tríplice, os constituintes do continuum tríplice, não são diferenciáveis. (...)
Não há diferença real entre a mente de um Buddha, de um principiante no caminho, de um adepto espiritual avançado ou até mesmo de um verme sobre um monte de estrume. A única diferença está nas suas respectivas percepções da realidade. Um Buddha percebe a realidade na maneira em que ela está livre de máculas, enquanto as percepções de outros seres são maculadas por variados graus de aflições mentais. Removendo as aflições adventícias, o Buddha causal — que, previamente, não era reconhecido devido ao obscurecimento adventício — torna-se um Buddha real, que difere do Buddha causal apenas nos termos de percepção da realidade.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
Sachen Künga Nyingpo (tib. Sa chen Kun dga' sNying po, 1092-1158), sistematizou os ensinamentos da escola após ter uma visão do bodhisattva Manjushri. Sachen era um profundo conhecedor do budismo e desenvolveu um sistema de lojong (treino mental) semelhante ao da escola Kadam.
Seus filhos, Lopön Sönam Tsemo (tib. sLob dpon bSod nams rTse mo, 1141-1182) e Jetsün Dragpa Gyeltsen (tib. rJe btsun Grags pa rGyal mtshan, 1147-1216), continuaram a tradição do pai. Sönam sistematizou os ensinamentos tântricos e Dragpa escreveu sobre a história do budismo no Tibete e sobre medicina, além de ter sido um grande meditador.
Künga Gyeltsen Pel Sangpo (tib. Kun dga' rGyal mtshan dPal bZang po, 1182-1251), mais conhecido como Sakya Pandita, foi um dos lamas mais importantes desta escola. Desde pequeno, Sakya Pandita apresentou um extraordinário conhecimento dos ensinamentos budistas, tornando-se mestre em todos os campos de conhecimento e vencendo diversos debates filosóficos. Godan Khan, neto de Gengis Khan, convidou-o a visitar a Mongólia e Sakya Pandita tornou-se rei do Tibete unificado em 1261.
Actualmente, a escola Sakya é subdividida em duas sub-escolas — Ngorpa e Tarpa — e é vista como a linhagem mais esotérica do budismo tibetano. Seu líder, S.S. Sakya Trizin Ngawang Künga (tib. Sa skya Khri 'dzin Ngag dband Kun dga'), considerado uma emanação do bodhisattva Manjushri, vive no exílio em Dehradun, na Índia.

Linhagem Gelug. :-)

A escola dos Virtuosos (tib. Gelug[-pa] / dGe lugs [pa]) foi fundada pelo monge tibetano Tsongkhapa Losang Dragpa (tib. Tsong kha pa bLo bzang Grags pa, 1357-1419). Tsong Khapa, considerado uma emanação dos bodhisattvas Avalokiteshvara, Manjushri e Vajrapani, reformulou os ensinamentos que recebeu das outras escolas do budismo tibetano, particularmente da escola Kadam.
[Tsongkhapa foi] denominado um erudito, meditador e filósofo; seu trabalho escrito contém uma visão compreensiva da filosofia e prática budistas, integrando o sutra, o tantra, a lógica analítica e a meditação yógica. Ele também foi um dos grandes reformadores religiosos do Tibete, um devoto monge que dedicou sua vida para revitalizar o budismo tibetano e recapturar a essência dos ensinamentos de Buddha.
O começo de sua escola pode ser traçado a partir da fundação do mosteiro Ganden, em 1410. Este mosteiro era destinado a providenciar um centro para sua escola reformada do budismo, na qual os monges deveriam aderir rigorosamente às regras da disciplina monástica (sânsc. vinaya, tib. Dülpa / 'Dul pa), aguçar seus intelectos no debate filosófico e se engajar na prática tântrica de alto nível.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
A educação monástica de Tsongkhapa começou muito cedo. Na adolescência, ele já se dedicava totalmente à prática e estudo religiosos, viajando pelo Tibete e recebendo ensinamentos de lamas de todas as escolas do budismo tibetano.
Apesar de sua crescente reputação, ele vivia de maneira simples e livre de qualquer ostentação ou arrogância. Ele tinha a habilidade de impressionar as pessoas com a sua aprendizagem e a sua profunda sabedoria, enquanto simultaneamente ajudava a mantê-las tranquilas na sua presença. Ele nunca era rude ou desrespeitoso com seus oponentes de debates, sempre mantinha sua equanimidade e respondia a todas as perguntas com igual respeito.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
Aos 32 anos, já famoso no Tibete, Tsongkhapa começou a escrever os seus principais trabalhos, como o Rosário Dourado das Boas Explicações (tib. Legshe Serpeng/ Legs bshad gSer pheng). Ele entrou num longo retiro espiritual, que incluiu 3,5 milhões de prostrações completas e 1,8 milhões de oferendas de mandala. As histórias tradicionais dizem que ele alcançou uma realização espiritual tão profunda que vários Buddhas e Bodhisattvas apareciam para ele, inclusive Bhaishajyaguru, Maitreya e Manjushri.
Então, Tsongkhapa escreveu o seu trabalho mais importante, a Grande Exposição dos Estágios do Caminho (tib. Lamrim Chenmo / Lam rim Chen mo), tomando como base o texto Luz sobre o Caminho da Iluminação (sânsc. Bodhipatha pradipa, tib. Jangchub Lamgyi Drönma / Byang chub Lam gyi sGron ma), de autoria do monge indiano Atisha (tib. Jowoje / Jo bo rje, 980/990-1055).
Outra obra importante de Tsongkhapa foi a Grande Exposição do Mantra Secreto (tib. Ngagrim Chenmo/ sNgags rim Chen mo), que se tornou a base da prática tântrica da escola Gelug. O principal ensinamento de Tsongkhapa é chamado Estágios do Caminho (tib. Lamrim / Lam rim), baseado no Lamrim Chenmo e no Ngagrim Chenmo. Os estágios do caminho são sumariados nos Três Aspectos da Principais do Caminho (tib. Lamtso Namsum / Lam gtso rNam gsum):
\ a intenção de deixar a existência cíclica;
\ o objectivo de alcançar a iluminação para o benefício de todos os seres sencientes;
\ a visão correcta da vacuidade.
Os monges Gyeltsab Darma Rinchen (tib. rGyal mtshab Dar ma Rin chen, 1364-1432) e Khedrub Geleg Pel Sangpo (tib. mKhas sgrub dGe legs dPal bZang po, 1385-1438), discípulos de Tsongkhapa, continuaram a difundir os ensinamentos. Outro discípulo de Tsongkhapa, chamado Gendün Drupa (tib. dGe 'dun Grub pa, 1391-1474), acabou se destacando nesta escola.
Sönam Gyatso (tib. bSod nams rGya mtsho, 1543-1588), considerado sua terceira encarnação, recebeu o título de Dalai Lama (tib. e mong. Ta la'i bLa ma), Oceano de Sabedoria, e sua linhagem continua até os dias de hoje, desempenhando a função de lama superior da escola Gelug. O segundo lama superior desta escola é o Panchen Lama (tib. Pan chen bLa ma), o Mestre Precioso.
No século XII, a escola Gelug assumiu o controle político do Tibete, que passou a ser governado pelos Dalai Lamas até a invasão chinesa de 1949. O Dalai Lama actual., Tenzin Gyatso (tib. bsTan 'dzin rGya mtsho, nascido em 1935), lidera o governo no exílio em Dharamsala, no norte da Índia.
A estrutura monástica da escola Gelug é bastante elaborada. Os principais mosteiros e universidades são os seguintes:
Universidades Colégios
Ganden Ganden JangtseGanden Shartse
Sera Sera JeSera Me
Drepung Drepung LoselingDrepung GomangDrepung Deyang
Além destes, deve-se citar o Namgyel (o mosteiro do Dalai Lama) e o Tashilhunpo (o mosteiro do Panchen Lama). Após a invasão chinesa no Tibete, muitos mosteiros foram reduzidos a ruínas. Porém, os principais mosteiros se restabeleçam na Índia, continuando tradição do lama Tsongkhapa.

Linhagem Kagyu

A escola tibetana da Transmissão Oral (tib. Kagyü[-pa] / bKa' brgyud [pa]) tem suas origens nos ensinamentos do yogi indiano Tilopa (988-1069), que teria recebido ensinamentos directamente de buddha Vajradhara (tib. Dorjechang / rDo rje chang). Tilopa, por sua vez, transmitiu os ensinamentos a Naropa (1016-1100), que deixou a abadia do mosteiro Nalanda para se também tornar um yogi Vajrayana.
O tradutor tibetano Chökyi Lodrö, mais conhecido como Marpa Lotsawa (tib. Mar pa Lo tsa ba, 1012-1097), fez três viagens à Índia, onde recebeu os ensinamentos de Naropa. Regressando ao Tibete, Marpa teve como discípulo o poeta Milarepa (tib. Mi la ras pa, 1040-1123), uma das mais importantes personagens do budismo tibetano.
Milarepa perdeu o pai aos 7 anos de idade. Ele e a sua mãe passaram a ser maltratados por seus tios e, para se vingar deles, Milarepa aprendeu magia negra e acabou matando muitas pessoas com um tufão. Muito arrependido, ele procurou Rongtön Lhaga, lama da escola Nyingma, que o enviou ao tradutor Marpa. Aos 38 anos de idade, Milarepa tornou-se discípulo de Marpa e fez 6 anos de rigorosas penitências; só então passou a receber os ensinamentos mais profundos e passou a viver em retiro nas frias cavernas do Himalaia. Após nove anos, Milarepa adquiriu a realização deste ensinamentos e passou a ensinar às pessoas através de canções. Seus principais discípulos foram Rechungpa Dorje Dragpa (tib. Ras chung pa rDo rje Grags pa, 1088-1158) e o monge Gampopa (tib. sGam po pa, 1079-1153).
Gampopa combinou os ensinamentos tântricos de Milarepa com a estrutura monástica da escola Kadam, fundando então a sua escola da transmissão oral, Kagyü, atraindo milhares seguidores.
Tradicionalmente, a escola Kagyü é subdividida em "quatro escolas maiores e oito menores". As quatro maiores foram fundadas por discípulos de Gampopa:
\ Karma Kagyü (kar ma bka' brgyud), fundada pelo primeiro Gyelwang Karmapa (tib. rGya dbang Kar ma pa), Düsum Khyenpa (tib. Dus gsum mKhyen pa, 1110-1193);
\ Tselpa Kagyü (mtshal pa bka' brgyud), fundada por Shang Ts'helpa (tib. Shangs mTshal pa);
\ Baram Kagyü ('ba ram bka' rgyud), fundada por Darma Wangchug (tib. Dar ma dBang phyug);
\ Pagmo Kagyü (phag mo bka' brgyud), fundada por Pagmodrupa Dorje Gyelpo (phag mo gru pa rdo rje rgyal po, 1110-1170).
As oito escolas menores desenvolveram-se após Pagmodrupa:
\ Drikung Kagyü (tib. 'Bri gung bKa' brgyud);
\ Taglung Kagyü (tib. sTag lung bKa' brgyud;
\ Troph'u Kagyü (tib. Khro phu bKa' brgud, extinta);
\ Drugpa Kagyü (tib. 'Brug pa bKa' brgyud);
\ Mar Kagyü (tib. dMar bKa' brgyud, extinta);
\ Yerpa Kagyü (tib. Yer pa bKa' brgyud, extinta);
\ Shugseb Kagyü (tib. Shug seb bKa' brgyud, extinta);
\ Yamsang Kagyü (tib. g.Ya' bzang bKa' brgyud, extinta).
Duas outras sub-escolas devem ser adicionadas, Shangpa Kagyü (tib. Shangs pa bKa' brgyud) e Ugyen Nyendrup.
O principal ensinamento da escola Kagyü é o Grande Selo, Grande Marca ou Grande Sinal (sânsc. Mahamudra, tib. Gyachenpo / rGya chen po), definido como a percepção direta do vazio e da claridade da mente. Este ensinamento possui três aspectos:
\ Visão: perceber a verdadeira natureza da mente, a união do vazio e da luz clara;
\ Meditação: a experiência da natureza da mente através da contemplação e da purificação do corpo, da fala e da mente;
\ Acção: a actividade além das convenções e livre de conceitos.
Quando praticamos, devemos olhar para a mente perguntando, "Como é a mente? Como ela se parece?" Nossa mente dá surgimento a um número inconcebível de diferentes pensamentos e emoções. A maioria do que vemos ao nosso redor são construções fabricadas pela mente, mas ainda sim, quando sentamos, olhamos para a mente e nos perguntamos, "Onde está minha mente?", descobrimos que é impossível encontrá-la em qualquer lugar. Não há uma "coisa" a ser vista ou encontrada. É por isso que dizemos que a essência é vazia, mas é apenas vazia? Não, não é. Sua natureza é luminosa. A claridade e o despertar estão presentes porque é possível conhecer, perceber e pensar. Nos estágios finais da iluminação, virtudes e sabedorias inconcebivelmente grandes se manifestam.
(Thrangu Rinpoche, Buddha Nature)
Os adeptos do Mahamudra são particularmente renomados por desenvolver poderes sobrenaturais, que são resultado do insight de que o fenômeno da experiência é a atividade da mente. O mundo dos fenômenos é visto como vazio, como projeção da mente, e aqueles que percebem isto são capazes de manifestar milagres e de realmente transformar o mundo dos fenômenos, de acordo com suas vontades.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
Um grupo de meditações tradicionais desta escola é conhecido como as seis yogas de Naropa (tib. Naro Chödrug / Na ro Chos drug), métodos para alcançar a realização através do controle das energias subtis do corpo e da mente:
\ Chama interior (tib. Tummo / gTum mo): através da "respiração do vaso" (inalar, reter, soltar e exalar o ar) e da concentração nos centros energéticos do corpo (sânsc. chakra), a temperatura do corpo aumenta sensivelmente. Esta prática leva à realização da união do grande êxtase e da vacuidade.
\ Corpo ilusório (tib. Gyulü / sGyu lus): esta prática leva à realização da natureza ilusória das experiências e ao atingimento de um corpo dotado com todas as perfeições búddhicas, livre do apego e da aversão.
\ Sonho (tib. Milam / rMi lam): a yoga dos sonhos purifica as ilusões ao treinar, multiplicar, projectar, transmutar e compreender as aparências do sonho.
\ Luz clara (tib. Ösel / 'Od gsal): é o reconhecimento da natureza pura e radiante da mente, que elimina a ignorância permite experimentar a luminosidade da mente.
\ Estado intermediário (tib. Bardo / Bar do): meditação que permite alcançar a liberação durante o estado intermediário entre a morte e o renascimento;
\ Transferência de consciência (tib. P'howa / 'Pho ba): técnica para transferir a consciência, após a morte, a uma terra pura.
Outro ensinamento tradicional é o Chöd (tib. Chod, cortar), uma meditação para "cortar" o apego, os falsos conceitos de personalidade e o medo da morte. Esta técnica foi desenvolvida por P'hadampa Sangye (tib. Pha dam pa Sangs rgyas, séc. XI-XII) e codificada por sua aluna Machig Labdrön (tib. Ma gcig Lab sgron, 1055-1143). Os grandes praticantes de Chöd são conhecidos entre os tibetanos por vagarem como mendigos, se comportarem de maneira estranha e meditarem em lugares amedrontadores — cemitérios, florestas escuras, lugares desertos. Esses praticantes, entretanto, são famosos também por saber controlar "forças maléficas" e por serem imunes a doenças, sendo chamados até mesmo para fazer curas e dispersar pragas.
A tradição Chöd de acordo com a visão dos sutras foi levada ao Tibete pelo indiano Dampa, também conhecido com P'hadampa Sangye, que a transmitiu a Kyotön Sönam Lama. Por sua vez, ele a passou para Machig Labdrön, junto com o sistema específico de Dampa conhecido como Pacificação do Sofrimento (tib. Shije / Zhi byed). Machig integrou estes ensinamentos e preceitos com sua experiência de meditação nascida de Prajnaparamita e com as instruções Vajrayana reveladas directamente a ela por Arya Tara. Combinando habilmente estes três fluxos, ela os unificou em uma única técnica, chamada "Chöd do Mahamudra" (...).

A mente é a fonte de toda manifestação do mundo fenoménico: felicidade e sofrimento, samsara e nirvana, deuses e demónios. Quando se corta a mente pela raiz, isto é, quando se realiza sua natureza como purificada em relação às impurezas contingentes, e quando se permanece absorvido na vacuidade, livre da dualidade sujeito-objecto, todas as aflições emocionais — tais como a ignorância, o apego e a aversão — desaparecem por si mesmas.
(Jérôme Edou, Machig Labdrön and the Foundations of Chöd)
Apesar de muitos mosteiros Kagyü terem sido destruídos após a invasão chinesa no Tibete, muitos lamas desta escola, como o Karmapa e Kalu Rinpoche, se empenharam em estabelecer novos centros na Índia, no Nepal, no Butão e no Ocidente.

As 4 linhagens do Budismo Tibetano. :-)

A partir de agora colocarei resumidamente as linhagens do budismo existente no Tibet
São eles o Nyigma, Kagyu, Gelug e o Sakya.

Linhagem Nyigma

A Escola Antiga (tib. Nyingma[-pa] / rNying ma [pa]) se formou a partir das primeiras tradições budistas introduzidas no Tibete. Apesar de ter surgido como uma escola distinta apenas no século XV, suas origens remontam ao século VIII, com a chegada dos budistas indianos Padmasambhava, Vimalamitra, Vairochana e Shantarakshita.

O mostéiro Samye (tib. Sam yas), fundado em 779, foi o primeiro centro monástico do Tibete e iniciou a difusão dos ensinamentos das tradições que formariam a escola Nyingma. Segundo essas tradições, o Buddha Samantabhadra (tib. Küntuzangpo / Kun tu bzang po) transmitiu ensinamentos da Grande Perfeição (tib. Dzogchen / rDzogs chen) ao Buddha Vajrasattva (tib. Dorje Sempa / rDo rje Sems 'dpa), e este para o indiano Garab Dorje (tib. dGa rabs rDo rje).
O indiano Vimalamitra (séc. VIII) levou esses ensinamentos da Índia ao Tibete, onde foram sintetizados pelo tibetano Longchenpa (tib. kLong chen pa, 1308-1364). Segundo ele,

As aparências da realidade são a sabedoria do caminho,
E paz presente, livre das projecções e dos afastamentos,
É o vazio instantâneo da pureza primordial [tib. trekchö / khregs chod].
A claridade espontânea deles, que é a sabedoria pura,
É o caminho directo [tib. thögel / thod rgal];
A união deles, a sabedoria pura,
É o caminho secreto da essência interior.
Quando todas as elaborações são pacificadas,
A sabedoria pura aparece normalmente.

O grande mestre desta escola foi Padmasambhava (tib. Pemajungne / Pad ma 'byung nas, séc. VIII), também conhecido como o Mestre Precioso (tib. Guru Rinpoche / gu ru rin po che). Padmasambhava teria nascido (sânsc. sambhava) em um lótus (sânsc. padma), no país de Oddiyana (tib. Orgyen / O rgyan), entre o Afeganistão e o Paquistão. Padmasambhava tornou-se um grande adepto (sânsc. mahasiddha) do budismo Vajrayana e viajou ao Tibete com a função de pacificar "as divindades e demónios" do local e de introduzir os ensinamentos budistas.
A escola Nyingma classifica esses ensinamentos ensinamentos em nove veículos (sânsc. yana):
\ Sharavaka-yana (o caminho dos ouvintes);
\ Pratyekabuddha-yana (o caminho dos realizadores solitários);
\ Bodhisattva-yana (o caminho dos seres da iluminação);
\ Kryia-tantra-yana (o caminho dos tantras de acção);
\ Charya-tantra-yana (o caminho dos tantras de actuação);
\ Yoga-tantra-yana (o caminho dos tantras de união);
\ Maha-yoga-yana (o caminho da grande união);
\ Anu-yoga-yana (o caminho da suprema união);
\ Ati-yoga-yana (o caminho da Grande Perfeição).

Na escola Nyingma, o Dzogchen — a Grande Perfeição — é visto como o ensinamento supremo do budismo.

Os ensinamentos Dzogchen não são uma filosofia, nem uma doutrina religiosa, nem uma tradição cultural. Compreender a mensagem dos ensinamentos significa descobrir a própria condição, despida de todas as decepções e falsificações que mente cria. O próprio significado do termo tibetano Dzogchen, Grande Perfeição, refere-se ao verdadeiro estado primordial de todo indivíduo e não a uma realidade transcendental. (...) [No Dzogchen, também existe a transferência no corpo de arco-íris.] Essa realização específica, que foi realmente feita por mestres como Padmasambhava, Vimalamitra e Tapihritsa na tradição Bön, envolve a transferência ou reabsorção, sem uma morte física, do corpo material na essência luminosa dos elementos; nesta realização, o corpo desaparece do campo de visão dos seres comuns. Se for possível realizar este corpo de arco-íris durante a vida, ainda é possível fazê-lo após a morte, como tem acontecido com muitos praticantes de Dzogchen no Tibete em tempos recentes. (...) O corpo de arco-íris é a realização suprema do Dzogchen.
(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

A verdadeira natureza da mente é uma pureza original — completa em si mesma, não precisando ser incrementada por qualquer modo. Quando tentamos olhar para a mente, não conseguimos encontrar nada. Uma pessoa à qual falta visão não irá descobrir nada, e tampouco irá um ser iluminado. Não obstante, tudo o que se manifesta é a actividade, o jogo da mente, por nenhum modo separado da mente, do mesmo modo que as ondas não estão separadas do mar.
Dentro da natureza da mente, samsara e nirvana estão completos. A própria iluminação não está além dessa natureza. Esse estado completo — que inclui todo o samsara, o nirvana, a própria iluminação — é o âmbito da Grande Perfeição. (...) Portanto, o fundamento da Grande Perfeição é essa grande consumação. O caminho é o processo de remoção daquilo que obscurece a natureza fundamental da mente. E o fruto é a realização plena dessa natureza fundamental, quando inteiramente revelada. (...)
Em minha vida, testemunhei quatro pessoas alcançando o corpo de arco-íris na hora da morte; elas não moravam em mosteiros, mas viviam com suas famílias. Quando tinha vinte e dois anos, presenciei um homem alcançar o corpo de arco-íris, e a maioria das pessoas sequer sabia que ele fazia prática espiritual. Não é o corpo que alteramos para nos tornarmos iluminados — é a mente.
(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

Os tantras do Dzogchen são divididos em três classes:
\ Classe da Mente (tib. Semde / Sems sde);
\ Classe do Espaço (tib. Longde / kLong sde);
\ Classe da Transmissão Oral (tib. Mengagde / Man ngag sde).

Além da transmissão oral (tib. kama / bka' ma) de ensinamentos, esta escola também utiliza a transmissão através de tesouros (tib. terma / gter ma), escondidos principalmente por Padmasambhava e sua consorte, Yeshe Tsogyel (tib. Ye shes mTsho rgyal, 757-817). Os tesouros da terra (tib. sater / sa gter) podem ser manuscritos, relíquias, objectos e até elementos naturais, guardados em locais secretos e descobertos na época apropriada por pessoas especiais, tertöns (tib. gter ston), profetizados por aqueles que esconderam os tesouros. Em outra categoria, tesouro do espaço (tib. longter / klong gter), os ensinamentos ficariam guardados secretamente na própria mente dos tertöns, surgindo na época apropriada.
[Os termas] são escrituras que foram deliberadamente escondidas e descobertas em sucessivos momentos apropriados por mestres realizados, através do seu poder iluminado. Os termas são ensinamentos que representam uma profunda, autêntica e poderosa forma tântrica do treinamento budista. Centenas de tertöns, os descobridores dos tesouros de Dharma, encontraram milhares de volumes de escrituras e objectos sagrados, escondidos na terra, na água, no céu, nas montanhas, nas rochas e na mente. Praticando estes ensinamentos, muitos de seus seguidores alcançaram o estado de iluminação completa, o estado búdico. Várias escolas do budismo no Tibete têm termas, mas a escola Nyingma tem a tradição mais rica.
(Tulku Thondup Rinpoche, Hidden Teachings of Tibet)
Os primeiros tertöns foram Sangye Lama e Drapa Ngösho (séc. XI). Nyang Rel Nyima Öser (1124-1192), Chökyi Wangchug (1212-1270) e Rigdzin Gödem (1337-1409) foram os "três grandes tertöns", considerados emanações da mente, fala e corpo de Padmasambhava. Posteriormente, apareceram Örgyen Lingpa (1323-1360), Sangye Lingpa (1340-1396), Pema Lingpa (1346-1405), Karma Lingpa (séc. XIV), Ratna Lingpa (1403-1479), Terdag Lingpa (1634/1646-1714), Jigme Lingpa (1729-1798), Pema Ösel Mongag Lingpa (1820-1892) e Chögyur Dechen Lingpa (ou Shigpa Lingpa, 1829-1870).
Um dos tesouros mais conhecidos, revelado por Karma Lingpa, é o livro da Liberação através do Ouvir no Estado Intermediário (tib. Bardo Thödröl / Bar do Thos sgrol), mais conhecido no ocidente como o "Livro Tibetano dos Mortos". Ainda hoje, existem muitos termas a serem descobertas, revitalizando e actualizando constantemente os ensinamentos da escola Nyingma.

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