A escola tibetana da Transmissão Oral (tib. Kagyü[-pa] / bKa' brgyud [pa]) tem suas origens nos ensinamentos do yogi indiano Tilopa (988-1069), que teria recebido ensinamentos directamente de buddha Vajradhara (tib. Dorjechang / rDo rje chang). Tilopa, por sua vez, transmitiu os ensinamentos a Naropa (1016-1100), que deixou a abadia do mosteiro Nalanda para se também tornar um yogi Vajrayana.
O tradutor tibetano Chökyi Lodrö, mais conhecido como Marpa Lotsawa (tib. Mar pa Lo tsa ba, 1012-1097), fez três viagens à Índia, onde recebeu os ensinamentos de Naropa. Regressando ao Tibete, Marpa teve como discípulo o poeta Milarepa (tib. Mi la ras pa, 1040-1123), uma das mais importantes personagens do budismo tibetano.
Milarepa perdeu o pai aos 7 anos de idade. Ele e a sua mãe passaram a ser maltratados por seus tios e, para se vingar deles, Milarepa aprendeu magia negra e acabou matando muitas pessoas com um tufão. Muito arrependido, ele procurou Rongtön Lhaga, lama da escola Nyingma, que o enviou ao tradutor Marpa. Aos 38 anos de idade, Milarepa tornou-se discípulo de Marpa e fez 6 anos de rigorosas penitências; só então passou a receber os ensinamentos mais profundos e passou a viver em retiro nas frias cavernas do Himalaia. Após nove anos, Milarepa adquiriu a realização deste ensinamentos e passou a ensinar às pessoas através de canções. Seus principais discípulos foram Rechungpa Dorje Dragpa (tib. Ras chung pa rDo rje Grags pa, 1088-1158) e o monge Gampopa (tib. sGam po pa, 1079-1153).
Gampopa combinou os ensinamentos tântricos de Milarepa com a estrutura monástica da escola Kadam, fundando então a sua escola da transmissão oral, Kagyü, atraindo milhares seguidores.
Tradicionalmente, a escola Kagyü é subdividida em "quatro escolas maiores e oito menores". As quatro maiores foram fundadas por discípulos de Gampopa:
\ Karma Kagyü (kar ma bka' brgyud), fundada pelo primeiro Gyelwang Karmapa (tib. rGya dbang Kar ma pa), Düsum Khyenpa (tib. Dus gsum mKhyen pa, 1110-1193);
\ Tselpa Kagyü (mtshal pa bka' brgyud), fundada por Shang Ts'helpa (tib. Shangs mTshal pa);
\ Baram Kagyü ('ba ram bka' rgyud), fundada por Darma Wangchug (tib. Dar ma dBang phyug);
\ Pagmo Kagyü (phag mo bka' brgyud), fundada por Pagmodrupa Dorje Gyelpo (phag mo gru pa rdo rje rgyal po, 1110-1170).
As oito escolas menores desenvolveram-se após Pagmodrupa:
\ Drikung Kagyü (tib. 'Bri gung bKa' brgyud);
\ Taglung Kagyü (tib. sTag lung bKa' brgyud;
\ Troph'u Kagyü (tib. Khro phu bKa' brgud, extinta);
\ Drugpa Kagyü (tib. 'Brug pa bKa' brgyud);
\ Mar Kagyü (tib. dMar bKa' brgyud, extinta);
\ Yerpa Kagyü (tib. Yer pa bKa' brgyud, extinta);
\ Shugseb Kagyü (tib. Shug seb bKa' brgyud, extinta);
\ Yamsang Kagyü (tib. g.Ya' bzang bKa' brgyud, extinta).
Duas outras sub-escolas devem ser adicionadas, Shangpa Kagyü (tib. Shangs pa bKa' brgyud) e Ugyen Nyendrup.
O principal ensinamento da escola Kagyü é o Grande Selo, Grande Marca ou Grande Sinal (sânsc. Mahamudra, tib. Gyachenpo / rGya chen po), definido como a percepção direta do vazio e da claridade da mente. Este ensinamento possui três aspectos:
\ Visão: perceber a verdadeira natureza da mente, a união do vazio e da luz clara;
\ Meditação: a experiência da natureza da mente através da contemplação e da purificação do corpo, da fala e da mente;
\ Acção: a actividade além das convenções e livre de conceitos.
Quando praticamos, devemos olhar para a mente perguntando, "Como é a mente? Como ela se parece?" Nossa mente dá surgimento a um número inconcebível de diferentes pensamentos e emoções. A maioria do que vemos ao nosso redor são construções fabricadas pela mente, mas ainda sim, quando sentamos, olhamos para a mente e nos perguntamos, "Onde está minha mente?", descobrimos que é impossível encontrá-la em qualquer lugar. Não há uma "coisa" a ser vista ou encontrada. É por isso que dizemos que a essência é vazia, mas é apenas vazia? Não, não é. Sua natureza é luminosa. A claridade e o despertar estão presentes porque é possível conhecer, perceber e pensar. Nos estágios finais da iluminação, virtudes e sabedorias inconcebivelmente grandes se manifestam.
(Thrangu Rinpoche, Buddha Nature)
Os adeptos do Mahamudra são particularmente renomados por desenvolver poderes sobrenaturais, que são resultado do insight de que o fenômeno da experiência é a atividade da mente. O mundo dos fenômenos é visto como vazio, como projeção da mente, e aqueles que percebem isto são capazes de manifestar milagres e de realmente transformar o mundo dos fenômenos, de acordo com suas vontades.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
Um grupo de meditações tradicionais desta escola é conhecido como as seis yogas de Naropa (tib. Naro Chödrug / Na ro Chos drug), métodos para alcançar a realização através do controle das energias subtis do corpo e da mente:
\ Chama interior (tib. Tummo / gTum mo): através da "respiração do vaso" (inalar, reter, soltar e exalar o ar) e da concentração nos centros energéticos do corpo (sânsc. chakra), a temperatura do corpo aumenta sensivelmente. Esta prática leva à realização da união do grande êxtase e da vacuidade.
\ Corpo ilusório (tib. Gyulü / sGyu lus): esta prática leva à realização da natureza ilusória das experiências e ao atingimento de um corpo dotado com todas as perfeições búddhicas, livre do apego e da aversão.
\ Sonho (tib. Milam / rMi lam): a yoga dos sonhos purifica as ilusões ao treinar, multiplicar, projectar, transmutar e compreender as aparências do sonho.
\ Luz clara (tib. Ösel / 'Od gsal): é o reconhecimento da natureza pura e radiante da mente, que elimina a ignorância permite experimentar a luminosidade da mente.
\ Estado intermediário (tib. Bardo / Bar do): meditação que permite alcançar a liberação durante o estado intermediário entre a morte e o renascimento;
\ Transferência de consciência (tib. P'howa / 'Pho ba): técnica para transferir a consciência, após a morte, a uma terra pura.
Outro ensinamento tradicional é o Chöd (tib. Chod, cortar), uma meditação para "cortar" o apego, os falsos conceitos de personalidade e o medo da morte. Esta técnica foi desenvolvida por P'hadampa Sangye (tib. Pha dam pa Sangs rgyas, séc. XI-XII) e codificada por sua aluna Machig Labdrön (tib. Ma gcig Lab sgron, 1055-1143). Os grandes praticantes de Chöd são conhecidos entre os tibetanos por vagarem como mendigos, se comportarem de maneira estranha e meditarem em lugares amedrontadores — cemitérios, florestas escuras, lugares desertos. Esses praticantes, entretanto, são famosos também por saber controlar "forças maléficas" e por serem imunes a doenças, sendo chamados até mesmo para fazer curas e dispersar pragas.
A tradição Chöd de acordo com a visão dos sutras foi levada ao Tibete pelo indiano Dampa, também conhecido com P'hadampa Sangye, que a transmitiu a Kyotön Sönam Lama. Por sua vez, ele a passou para Machig Labdrön, junto com o sistema específico de Dampa conhecido como Pacificação do Sofrimento (tib. Shije / Zhi byed). Machig integrou estes ensinamentos e preceitos com sua experiência de meditação nascida de Prajnaparamita e com as instruções Vajrayana reveladas directamente a ela por Arya Tara. Combinando habilmente estes três fluxos, ela os unificou em uma única técnica, chamada "Chöd do Mahamudra" (...).
A mente é a fonte de toda manifestação do mundo fenoménico: felicidade e sofrimento, samsara e nirvana, deuses e demónios. Quando se corta a mente pela raiz, isto é, quando se realiza sua natureza como purificada em relação às impurezas contingentes, e quando se permanece absorvido na vacuidade, livre da dualidade sujeito-objecto, todas as aflições emocionais — tais como a ignorância, o apego e a aversão — desaparecem por si mesmas.
(Jérôme Edou, Machig Labdrön and the Foundations of Chöd)
Apesar de muitos mosteiros Kagyü terem sido destruídos após a invasão chinesa no Tibete, muitos lamas desta escola, como o Karmapa e Kalu Rinpoche, se empenharam em estabelecer novos centros na Índia, no Nepal, no Butão e no Ocidente.
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