Em 1073, o lama tibetano Könchog Gyelpo (sânsc. dKon mchog rGyal po) fundou o monastério Sakya, numa região do Tibete conhecida pela sua Terra de cor Cinza (tib. Sakya / Sa skya). O mosteiro, então, tornou-se centro da escola homónima Sakya(-pa), com patronagem da tradicional família Khön, antes associada à escola Nyingma. Könchog recebeu do tibetano Drogmi (tib. 'Brog mi, 992-1102) os ensinamentos da linhagem de um mestre tântrico indiano chamado Virupa.
[Virupa] era originalmente um grande estudioso, um pandita, mas depois se tornou um praticante tântrico. Por anos e anos, ele aplicou o método de transformação de Hevajra e, em particular, a recitação do mantra de Damema [sânsc. Nairatmya, tib. bDag med ma], a consorte de Hevajra. A história diz que, certo dia, enquanto ele estava num estado contemplativo de total claridade, ele subitamente se levantou e jogou o seu mala [rosário], que ele geralmente segurava para contar os mantras, na latrina. Então, ele voltou à sala, jogou no chão as oferendas de mandala que ele havia preparado para a prática e foi embora, sem nunca mais voltar. Virupa tinha alcançado a iluminação, mas todos pensaram que ele tinha ficado louco.
(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)
Virupa tornou-se um mestre siddha [um adepto tântrico] e tinha controlo sobre a vida e a morte. Ele podia criar aparências à vontade e as limitações das pessoas comuns não se aplicavam a ele. (...) Durante as suas viagens, ele continuou a impressionar as pessoas com mostras surpreendentes do seu poder yógico, e viajou por toda a Índia usando as suas habilidades para converter os seres sencientes ao budismo. Diz-se que ele viveu 700 anos, durante os quais ele fez incontáveis actos de poder e finalmente atingiu a libertação completa e subiu ao paraíso das dakinis.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
Drogmi recebeu do mestre indiano Gayadhara os principais ensinamentos de Virupa, chamados de Caminho e Fruto (tib. Lamdre / Lam bras). Estes ensinamentos foram passados para Setön Kunrig, que por sua vez transmitiu-os para Shangtön Chobar.
O Lamdre tem como base os Versos Vajra (sânsc. Vajra Gatha, tib. Dorje Ts'hikang / rDo rje Tshig rkang) de Virupa e o Hevajra Tantra (tib. Kyedorje Gyü / Kye rdo rje rgyud).
No Lamdre, afirma-se que a mente possui três características principais:
\ A mente é luz clara;
\ A mente é vazia;
\ A mente é a união inseparável da luz clara e do vazio.
Neste sistema, o caminho inclui a causa pois, nele, purificam-se as negatividades que impedem a realização da iluminação. O caminho também inclui o resultado, pois este é um aspecto transformado da causa. (...) Um princípio importante dos ensinamentos Lamdre é a similaridade dos aspectos da aparência tríplice (ou visão tríplice, sânsc. tryavabhasa, tib. nangsum / snang gsum) e do continuum tríplice (sânsc. tritantra, tib. gyüsum / rgyud gsum). A aparência tríplice consiste de: 1. a aparência do fenômeno como sendo impuro; 2. a aparência da existência na meditação; 3. a aparência pura. Os textos Lamdre indicam que estas três são, fundamentalmente, a mesma aparência, e que a única diferença está no modo como são percebidas. O continuum tríplice é constituído pela base (sânsc. adhara, tib. shi / gzhi), caminho (sânsc. marga, tib. lam / lam) e fruto (sânsc. phala, tib. drepu / 'bras bu). Assim como as três partes da aparência tríplice, os constituintes do continuum tríplice, não são diferenciáveis. (...)
Não há diferença real entre a mente de um Buddha, de um principiante no caminho, de um adepto espiritual avançado ou até mesmo de um verme sobre um monte de estrume. A única diferença está nas suas respectivas percepções da realidade. Um Buddha percebe a realidade na maneira em que ela está livre de máculas, enquanto as percepções de outros seres são maculadas por variados graus de aflições mentais. Removendo as aflições adventícias, o Buddha causal — que, previamente, não era reconhecido devido ao obscurecimento adventício — torna-se um Buddha real, que difere do Buddha causal apenas nos termos de percepção da realidade.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)
Sachen Künga Nyingpo (tib. Sa chen Kun dga' sNying po, 1092-1158), sistematizou os ensinamentos da escola após ter uma visão do bodhisattva Manjushri. Sachen era um profundo conhecedor do budismo e desenvolveu um sistema de lojong (treino mental) semelhante ao da escola Kadam.
Seus filhos, Lopön Sönam Tsemo (tib. sLob dpon bSod nams rTse mo, 1141-1182) e Jetsün Dragpa Gyeltsen (tib. rJe btsun Grags pa rGyal mtshan, 1147-1216), continuaram a tradição do pai. Sönam sistematizou os ensinamentos tântricos e Dragpa escreveu sobre a história do budismo no Tibete e sobre medicina, além de ter sido um grande meditador.
Künga Gyeltsen Pel Sangpo (tib. Kun dga' rGyal mtshan dPal bZang po, 1182-1251), mais conhecido como Sakya Pandita, foi um dos lamas mais importantes desta escola. Desde pequeno, Sakya Pandita apresentou um extraordinário conhecimento dos ensinamentos budistas, tornando-se mestre em todos os campos de conhecimento e vencendo diversos debates filosóficos. Godan Khan, neto de Gengis Khan, convidou-o a visitar a Mongólia e Sakya Pandita tornou-se rei do Tibete unificado em 1261.
Actualmente, a escola Sakya é subdividida em duas sub-escolas — Ngorpa e Tarpa — e é vista como a linhagem mais esotérica do budismo tibetano. Seu líder, S.S. Sakya Trizin Ngawang Künga (tib. Sa skya Khri 'dzin Ngag dband Kun dga'), considerado uma emanação do bodhisattva Manjushri, vive no exílio em Dehradun, na Índia.
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